terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Decadènce



fome

....................miséria

.......................................geografia

promessa

....................mentira

.....................................demagogia

suborno

...............chantagem

..................................pirataria
aborto
....................incesto
.........................................pedofilia
poder
...................dinheiro
......................................guerra fria
trabalho
...................sucesso
..........................................ousadia

crença

................esperança

..........................................filosofia

paz

....................amor

............................................utopia

Eduardo C. Mendonça

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

ANTEPARO ANTEMORTE


Ouve-se um ruído

De repente, um estrondo

E um brame coletivo

Serpenteia em tua mente

Mas nada vês e nada sentes


Permanente eclipse em teus olhos

Nem sono, nem fome em teu corpo


Rente à margem, clamas por teus amigos...

Estão todos lá, apavorados,

Gritando e procurando por você

Mas, alheios, não respondem

Ao teu chamado


Necessitas de calma –

Coisa que nunca tivera antes

Mas desejas, acima de tudo,

Informá-los que te perdeste

E procuras em vão consolar-se

Sabendo que o que o preocupa não são eles


É essa sensação de abandono

De solidão eminente em tua alma

Como entender o que está acontecendo?

Sonho ou realidade?


Por um momento, voltas a raciocinar

E buscas um consolo

Ou mesmo um conselho

Mas não te resta nada

Nem paredes para se apoiar


Como sair desse labirinto?

Ora floresta, ora deserto

Ora amálgama, ora éter


De certo, estás embriagado

Talvez entorpecido

Mas não de haxixe, nem de absinto


Em circunspecto clarão, uma flor púrpura surge

E paira sobre o céu - prenúncio de novos tempos


De vida que se renova

Mas qual a prova?


Ante à pergunta, paro, e me paraliso:

Vida ou morte?


Eduardo C. Mendonça

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Silêncio

.

O silêncio é magnífico!

E assustador...

Nos enche de perguntas

E, só às vezes, dá respostas...


O silêncio é mágico!

Mas também é trágico

Sussurra em nossos ouvidos

Inúmeras palavras...


O silêncio é amigo da alma

Escuta nossos gritos

Lembra nossos traumas...


O silêncio é encantador

E também perturbador

Mas, às vezes, acalma...


Eduardo C. Mendonça



segunda-feira, 17 de novembro de 2008

O Poema


Um poema não é feito

De cenas

Não é fruto

De penas



Um poema não nasce

De temas

Nem é composto

De esquemas



Um poema

Não possui

Sistemas



Mas, um poema,

Nunca é feito

De apenas


Eduardo C. Mendonça

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Feliz Aniversário



Ah! Como é difícil escolher um presente
Para alegrar um momento de comemoração

O que oferecer como retribuição

À vida presente?

Um par de sapatos?

Um perfume?

Uma gravata?

Não... Nada disso me agrada

É preciso achar um presente

Que torne a vida

Mais doce, menos ingrata

Talvez um vinho, uma prece...

Mas e quanto às palavras?

Como é difícil escolher uma dúzia

Entre milhões e milhões

De códigos e sentidos

Por isso, prefiro um sentimento

Não desses que fazem escorrer lágrimas

E desejam boa sorte

Mas um que seja forte,

Como um aperto de mão

E que também seja simples,

E se expresse em um olhar

De respeito e gratidão


Eduardo C. Mendonça

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Náufragos



Não importa de quem é a culpa,
Os condenados somos nós

Crimes inesquecíveis
Como perdoá-los?

Mais nove, mais nove,
Mais nove, mais nove...
É essa a contagem

Navio negreiro
Em brasa de partida
Na estalagem

Remos, rimas
Meninos e meninas
E a mesma sina:
Dores de idas
Silêncio das voltas
Torpor de chegadas

Mais outro, mais nove
Já são mais de sessenta
Inove

Gemidos, espremidos
Confinados, suados
Nos porões carcomidos, petrificados
Deixam suas paixões
Enfurnam-se nos grotões das borras

Masmorras marítimas...
E não se pode mudar a direção
Bordo, estibordo...
Não fazem sentido àqueles
Que não controlam o leme
E não sabem pra onde vão

Na proa, na popa, no convés
Prancha à beira mar
Seguir, zarpar, ancorar
Cantar, sorrir, chorar

Treme o silêncio antes da queda:
Mais um a nadar
E retumbam os tambores
Com o balanço do mar
Nasce o blues, o samba
E outras formas de lamentar

O choro doce da menina
Mistura-se ao som do navio
Que avisa:
Não há mais como voltar

Mas é preciso resistir para outra nação se criar
Para nova flâmula ganhar o beijo do ar
E as lágrimas encontrarem a água do mar
Formando ondas de amor e espuma
Nova aurora há de chegar

Colorindo as lacunas pálidas
Dissolvendo o negror das lástimas
Gingando ao sabor da brisa
Jogando sua mandinga pelo ar

Maldizeres desprovidos de rima,
Tortas loucuras, jogos de azar,
Macumbas, sonhos e desejos
Pra Exú e Iemanjá

Tambores ritmados em coro
Mãos que rebatem o couro
Cantigas de benfazejos
Ecoando pela orla
Revolvendo céu e areia
Num só horizonte

Gamelas vazias viram atabaques
E entoam o ritmo da fome,
Fome que o bicho homem já não pode saciar

Secam as peles infames
Cansadas de tanto sugar
Mas nada tomba o ébano que nasce sob o árduo sol
Brotando entre as ranhuras áridas da terra, o pó
Contorcendo-se em parto doloroso
Até que é chegada a hora.....

E a cada nove meses, o ciclo se renova,
Mais um membro da tribo
Chega à selva dos brancos
Um crepúsculo-alvorada
Envolto pela lava branca da hipocrisia

Mas o negro tem duas peles,
É rijo e persiste
Insiste com o dedo em riste

O barco segue,
A saga muda
E o negro resiste

Ainda que o grito pareça mudo
E a vida amargura
“É preciso içar novas velas,
Mudar a direção”,
Grita Mandela aos anônimos

É sina que separa os antônimos,
No hiato eterno entre negros e brancos
Dígrafos que se arrastam na arrebentação
E oxidam ao sabor da maresia inclemente

Castigando sol após sol condenados e inocentes
Fustigando as vértebras com o fio rude do couro
Pele contra pele, antagonismo febril e sangrento

Ao léu, sem rumo, no relento,
As naus levam a carne crua para ser vendida nas ruas
Pedaços rubros estapeiam-se já mortos
Feridos perenemente sob a ardência do sal ao sol

E a pergunta ecoa pelos oceanos:
Onde e quando essa viagem irá terminar?

Se é que começou, se não estamos a delirar

Poderia tudo ser miragem,
Desejo, estupor
Pouco importa a cor,
Branco ou preto,
Dentro sempre corre o mesmo sangue
Néctar escarlate,
Mote, motim líquido nas veias
Estopim sem fim, quimera

Pólvora que arde na imensidão dos poros
Narinas ressecadas pela chibata invisível
Sombras cortantes,
Dor, odor, calor, rancor,
Humanos, desumanos
Na mesma batalha

Fogueira, flamas dançantes,
Espumas que flutuam errantes
Sem ninguém
Ama, senhor, amantes
Por mal ou por bem

Sacerdócio maldito, sina,
Arautos do húmus, do podre
Ode ao império, ao ouro
Tirado de Minas

Bebericando - estes reis inertes - nas corredeiras douradas
E abóbadas celestes
Das igrejas barrocas
Sistinas capelas, aleijadas
Mutiladas pela maldita adoração ao ouro
Bezerros inertes do mercantilismo
Encantados pela púrpura ganância
E pela sede do falso oásis da riqueza
Que leva os ambiciosos ao deserto da penúria

Misturando-os aos grãos,
De modo que os mastiguem
E os louvem em missas

Pegadas, cascos, apagados pelo vento
Veneno e remédio,
A tentativa de intermédio do homem com o divino?

Épica trilha em busca do imponderável
Do indivisível, da pseudo dualidade
Inexiste entre alma e mente
Da amorfa massa que nos faz sofríveis e amáveis
Seja por mal, seja por bem
E assim seja
Amém



Eduardo C. Mendonça / Rodolfo Araújo

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Contínuo Ando



Avante, levante-se!
Mas abaixe a tua espada
Não há honra
Nessa cruzada
Espera, espreita
Mas não te sujeitas
Ao que vês pela estrada
Ande, continue...
Segue a tua jornada
O sol sempre brilha
Ao raiar da alvorada

Eduardo C. Mendonça




segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Aforismo



Valor

Pois se tudo tem um preço, o que vale é o apreço.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Entreletras



O poema a se formar
Tem versos e reversos
Sempre a dialogar
Por isso peço
Aos dispersos
Pra se concentrar

Vamos devagar
Pra ninguém se cansar
Mas de forma constante
Pra dizer tudo que é importante

Começo pela palavra vida
Pois não é bem compreendida
Depois viria a palavra morte,
Que, por sorte, foi excluída

Mas tenha calma:
A palavra alma
Não vai ser corrompida

Quanta satisfação!
A palavra prisão
Vai ser abolida

Da palavra medo
Digo que tenho medo
E a palavra assassino
Essa eu elimino

Mas que beleza!
Destronaram a palavra
Realeza

É bom saber que a palavra esperança
Sempre se renova
No olhar de uma criança
Você tem a prova

A palavra sossego é o segredo
Mas com a palavra namorada,
Atenção: ela precisa ser bem cuidada

Da palavra feio
Tenho um grande receio
Já a palavra bonito
É o que eu sempre tenho dito

A palavra dinheiro,
Quando farta é opulência
Quando falta é desespero,
Paciência

Quanto à palavra desejo
Uso-a com muito cuidado
Porque tudo o que ensejo
A mim é retornado

A palavra fome não tem raça
Nem tem nome
Mas tem que ser saciada
Já que a palavra pão
Será compartilhada

Com a palavra religião
Não se irrite,
Esqueça
O importante é a palavra fé
E essa não tem pé,
Nem cabeça,
Acredite

A palavra trabalho
Nunca pode ser carta fora do baralho
E a palavra liberdade
É só pra quem tem responsabilidade

Sei que a palavra dor
Também tem o seu valor
E a palavra tristeza
Tem lá a sua beleza

Mas de uma coisa tenho certeza:
A palavra mãe é única
E só quem tem uma
Sabe a grandeza

E a palavra saudade,
Que complexidade!
Vive da ausência
E da vontade

A palavra ciência
Busca se renovar
Mas não consegue superar
A palavra experiência

Já a palavra ópio
Me entorpece
Enquanto a palavra ócio
Muito me apetece

Dizem que a palavra laxante
É um ótimo desintoxicante
E que pra palavra intuição
Ainda não tem definição

Da palavra respeito
Muito tenho cuidado
Num local reservado
Dentro do peito

A palavra gelo esfria
Enquanto a palavra fogo alumia
Já a palavra arte é inspiração
E a palavra melodia
Pra tocar o coração
E levar harmonia por toda parte

A palavra mulher,
Enquanto der
Defino por criadora
Porque sei que a palavra homem
É destruidora

Mas tem a palavra chance
Para cada tropeço
E a palavra instante
Para todo recomeço

Tem também a palavra história
Pra guardar na memória
E a palavra semente
Pra criar o futuro da gente

A palavra universo
É um grande paralelo
E a palavra verso,
Um pequeno elo

E a palavra sonho
Vai se realizar
Com isso, a palavra utopia,
Quem diria, vai se concretizar

Mas a palavra mágica é a alegria
Porque é a que mais contagia
E as que ficam pra toda a eternidade
É amor e amizade


Eduardo C. Mendonça

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Solidão


Solidão é uma ilha
Pois de que adianta estar rodeado
Pela imensidão das águas
Se o destino te encilha?

Eduardo C. Mendonça




quinta-feira, 24 de julho de 2008

O Culto e o Oculto

.
Em vão, alguns poucos,
Tentam se tornar cultos
Numa busca ansiosa e fracassada
Por sabedoria e conteúdo

Falta-lhes experiência, por vezes sentimentos
Pois buscam a razão em tudo
Na literatura, na música,
Em toda forma de arte, em todas as ciências

E até mesmo nas coisas corriqueiras e menores desta vida
Que deviam ser consideradas maiores do que qualquer culto

Deixai pra lá essa procura desenfreada, desmedida
Pela lucidez, pela razão e pelo sentido no que está oculto

A verdade é uma só: toda busca se transforma em culto

Contudo, essa vil e inútil procura não chega a ser bela,
Nem ao menos é sincera, pois toda forma de culto
De uma forma ou de outra
Vem de uma ânsia indomável de se descobrir
O inexplicável em tudo o que está oculto



Eduardo C. Mendonça

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Me Deixem Comigo

.
Certa vez me pediram
Pra esclarecer o meu dito
Pois o que eu havia escrito
Estava em contradição

Depois me falaram
Pra definir um estilo
Pedido que foi em vão
Já que regras não sigo

Outrora me disseram
Que esperam que minha vida melhore
Embora eu implore
Pra que abandonem tal preocupação

Ora, o que foi escrito
Está escrito, meu irmão
Fi-lo porque qui-lo
Não procure explicação

Contudo, sempre tive uma pretensão:
Parem de olhar para o próprio umbigo
E não se preocupem comigo
A vida é a única lição



Eduardo C. Mendonça

terça-feira, 22 de julho de 2008

Despertar

Grita em desafinado

agudo estridente

o galo da(o) (a)manhã:

- É hora de acordar pra vida!



Cada amanhecer,

uma nova oportunidade

Em cada canto,

um novo despertar de gente!


Eduardo C. Mendonça

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Maria Estrela

.
Olha para o alto
Para o céu, Maristela
Desvia tua íris deste chão de asfalto
E procura qual estrela é mais bela

Verás que nessa vida tudo está ligado
Mesmo estando separado
Que tudo é tão próximo e tão distante
E certas coisas tão minúsculas, outras gigantes

Olha mais uma vez para o alto eu insisto,
Lá está teu coração, Maristela
Esquece essas mazelas, tudo isso é finito
E o que é realmente belo já está à nossa espera

Olha essa imensidão
E fita-a com calma da tua janela
Descobrirás que nesse universo não existe solidão
E que nenhuma estrela brilha como tu, Maristela



Eduardo C. Mendonça

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Distância

.
Mal dita ânsia entre pares ímpar feitos.

Amiúde

.
Um dia você aprende

Que não importa o que digam

Nem o que você sente

O que importa é o que você

Aprende


Eduardo C. Mendonça

quarta-feira, 2 de julho de 2008

O Vai e Vem do Amor

O amor é lindo,
Porém findo
O amor é infinito
Sempre maior
Sempre bem-vindo
E ainda melhor
Com vinho tinto

Amor, externo sangue,
Perto, distante,
Contraponto
Com o que, nas veias,
Ebule

E apaga
Para, de manhã,
Novamente
Acender o fogo,
Da gente
E botar água no bule,

E começar de novo
Tomar café com queijo e biscoitos,
Pão com manteiga
Entre muitos, muitos beijos
Após amar e mais amar
E terminar o coito


Eduardo C. Mendonça

quarta-feira, 25 de junho de 2008

FLORES

.
Flores cantadas,
Flores escritas
Flores sonhadas,
Flores vividas

Flores que alimentam beija-flores
Alegria
Flores de maio,
Em qualquer dia

Flores do mato,
Flores do campo
Flores exóticas
Que eu até me espanto

Flores claras,
Flores escuras
Flores frágeis,
Flores duras

Flores de madeira,
E que nascem em pau
Flores do bem,
Flores do mal

Flores pintadas na arte
E representando a vida
Flores nos cadernos
E em camisetas floridas

Flores roubadas
Flores vendidas,
Flores compradas
Pra pessoa amada

Flores nos vasos
E em belos arranjos
Flores amáveis
E de vários tamanhos

Flores vaidosas
E de cores requintadas
Flores mortas
De cores apagadas

Flores que resistem ao sol
Flores da caatinga e do litoral
Flores que nascem nas pedras
E nas terras deste país tropical

Flores que dançam ao vento
Flores que enfeitam a vida
Flores a todo o momento
E em toda despedida

Flores pra você
Flores pra mim
Baby, mesmo com tudo isso,
Mande flores pra mim...

Eduardo C. Mendonça
(inspirado no poema Semente de Marcio Freitas)

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Deusa Cíclica


Passos soltos e destemidos
Assim vai ela
Ziguezagueando imponente
Em doçura angelical

Nefertite paladina
De lábios barrocos
Sempre a seduzir mortais
Em delicado e obsceno balé

Dama ou rainha?
Deusa ou cortesã?
Quem ousará tocar-lhe
Tão alva face?

Imaculada Maria
Esquiva e intocável
Pandemônio de desejos
A sucumbir súditos

Qual de nós ousará
Segui-la?
Qual ímpio e maldito
Pagão a irá despir?

Afrodite mecenas
De língua sedenta
De almas e sonhos
Indiferente ao tempo

Absorta Salomé
A enlouquecer os homens
E roubar-lhes razão
Noite após dia

Crepúsculo de idéias
Sopro contínuo de esperança
Fauna e flora em êxtase!
Vida e é só


Eduardo C. Mendonça

Palavras Eretas


Palavras se excitam
E entrelaçam-se
Em frases e sinais
Se beijam, se apertam
Se despem de rotina,
De preconceitos
E rimas

Espremem-se e se esfregam
Ofegantes e desesperadas
Comprimidas ou estendidas
Em manto lexical

Eretas, descobrem véus
E passagens secretas
Percorrem lábios e corpos
- Intento a salivar ditos
Cujas bocas não ousam
Pronunciar

E escorrem lentamente
Num ato de amor, desamor
Puro, obsceno
Casto e perverso
Entre mãos e dedos
Língua e falo(a)

Corpo e alma
Em clímax
Eduardo C. Mendonça

terça-feira, 17 de junho de 2008

AceitAção


Aceita esse lapso, essas rugas, que pelas mãos do tempo sugam tua amorfa seiva, aceita tua nova imagem, a rubra bagagem que trazes, aceita essa falta de pressa, que falta faz na tua vida? aceita esses óculos, esse ócio pungente, essa cândida ternura que um dia fora luxúria pulsante em ósculos, aceita essa artrite, essa gastrite, a tua falta de apetite, aceita esses fios ralos, essa barba disforme, aceita essa falta de um amor flamejante, esse frio pétreo nas extremidades, esse tilindar maquiavélico das folhas secas pela estrada, aceita o pó das eras, tua memória reticente, tua tosse constante, todos os teus questionamentos vagos, tuas lutas vis, aceita tuas lágrimas perdidas, tua postura torta, teus sonhos incompletos, tuas palavras enclausuradas, aceita essa inércia, essa quietude que te persegue, e precede aquela hora em que dia não é mais dia e a noite ainda não é noite, quando o mocho pia e nada mais, nada mais tem valia, aceita tua vida como fora, aceita pois tua morte.


Eduardo. C. Mendonça

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Velha Carta Amarelecida


Hoje encontrei dentro de um livro uma velha carta amarelecida,

Rasguei-a sem procurar ao menos saber de quem seria...
Eu tenho um medo horrível a essas marés montantes do passado,
Com suas quilhas afundadas, com meus sucessivos cadáveres amarrados aos mastros e gáveas...
Ai de mim, ai de ti, ó velho mar profundo,
Eu venho sempre à tona de todos os naufrágios!

Mario Quintana

A língua lambe


A língua lambe as pétalas vermelhas da rosa pluriaberta;
a língua lavra certo oculto botão,
e vai tecendo lépidas variações de leves ritmos.
E lambe, lambilonga, lambilenta, a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa, atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos de leões na floresta, enfurecidos.

Carlos Drummond de Andrade

Embriagai-vos

Embriagai-vos. É preciso estar sempre embriagado. Eis aí tudo: é a única questão. Para não sentirdes o horrível fardo do Tempo que rompe os vossos ombros e vos inclina para o chão, é preciso embriagar-vos sem trégua. Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa maneira. Mas embriagai-vos.

E se, alguma vez, nos degraus de um palácio, sobre a grama verde de um precipício, na solidão morna do vosso quarto, vós acordardes, a embriaguez já diminuída ou desaparecida, perguntai ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que foge, a tudo que geme, a tudo que anda, a tudo que canta, a tudo que fala, perguntai que horas são; e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio, responder-vos-ão: “

É hora de embriagar-vos! Para não serdes os escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos: embriagai-vos sem cessar! De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa maneira.

Charles Baudelaire

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Poesia


A poesia é incomunicável
Não é voz dita à passagem

Espreita, espia,
Porque a poesia
Não é nada do que pensas ou dirias

Nem vida a ruminar
Dia após dia
Néctar escarlate
A morder-te sonhos
A unir rios sedentos
Mãos que acariciam
Corpos já ofegantes, dormentes
Desgastados e corroídos
À custa do tempo,
Mas que tempo?

Nem aurora, nem segredo,
Nem medo, nem desejo,
Ou ventre a contrair
E expelir vida e morte

Nem silêncio, nem moinho,
Nem sono, nem música,
Azáfama ou prazer
Nem erro, nem vício

Carne crua que sangra
E goteja cristalina
Tácita, impermeável,
Indelével, à vácuo

Bebericando rumores
Tecendo veredas
E caracóis subterrâneos
Da mente,
Que mente?

Para-peito de vitral
Abismo de cetim
Cartomante episcopal
Perfume de jasmim

Espreita, espia,
Porque a poesia
Não é sopro
Nem escada
Nem o fogo que te alumia

Botão de rosa a revelar-se
Negrume, sombra, desatino,
Buraco negro, epicentro.
Sentimento ou sabedoria

Amálgama embrionária é a poesia
A enfeitiçar homens
E decepar-lhes a razão
Como criança no colo

Oráculo a revelar-te mundos
E dimensões
À revelia de tua vontade,
Tua realidade
Mas que realidade?

É pulso que voa
Como nuvem
E brota como planta
Cai como água
Escorre e se vai

É júbilo, desapego,
Mistério, minério bruto,
Que vem não se sabe de onde
Nem por que, nem por quem

Umbigo invisível
Indivisível da fonte
Que move montanhas
E serpenteia entre lágrimas e gozos

Entre movimento e repouso
Sempre aquém,
Sempre além
Ao entendimento humano



Eduardo Campos Mendonça

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Palavra


O que é a palavra
Senão um grito?

Tentativa de explicar
O inexplicável,
O infinito?

Por que tantos significados
E significantes
Se todos os predicados
Tornam-se insignificantes?

Eduardo Campos Mendonça

quarta-feira, 28 de maio de 2008

É NOITE


De repente fez-se noite
Em meus dias
Mas por quê a surpresa
Se nos encontramos ontem,
Antes da meia-noite?
Eu e ela, a noite...

Foi uma noite fria de verão
Noite fria em meu coração
Foi longa, quão longa aquela noite!
De vigília, de alucinação...

Mas eu esperava pelo dia,
Pelo sol ao amanhecer
Esperava a alegria,
O sol alto, ao meio-dia...

Mas a noite, ah... como é triste a noite
Quando não quer amanhecer
É como a alma de um poeta
Prestes a morrer...

E morreu...
O poeta está morto,
Cego, mudo, trôpego,
Em estado de decomposição...

Mas ele ainda não deixou o mundo
Cava ao longe o seu túmulo
No abismo mais profundo
Entre a sua alma
E o seu coração...


Eduardo Campos Mendonça

AeroMoça


Aeromoça és tu
Aérea fêmea,
Etérea
Avoada menina
Alva, cálida, cristalina

De elevada calma
A volitar livre,
Leve e solta
Acima de carmas e culpas,
E carnes esdrúxulas

Entre côncavos e convexos
Entre sonho e realidade
Razão e emoção
Nessa falta de nexo
De nossa parca humanidade

Sublime ser tu és
Em aurora no firmamento
Com suas elipses reticentes
Circunspectas retas
E arestas celestes

Pássaro nuvem
Que voa pelo vento
E busca, acima de tudo,
Libertar-se de padrões
E almas aprisionantes

Tão sólida e tão líquida
Mas sempre se evapora
E flutua pelo ar
Em atmosfera nebulosa
Ou condensada
Até atingir o ápice
Em elevada temperatura,

Quando, por súbito resfriamento adiabático,
Se precipita novamente
Em terra
Para que o ciclo se renove


Eduardo Campos Mendonça




quarta-feira, 21 de maio de 2008

Nuvens Negras


Tudo está cinza,
Nebuloso,
Tudo está denso,
Chuvoso

Tudo está negro
Escuro,
Tudo está preto,
Obscuro

E o vento sopra gelado
Sem vida,
Sem alma,
Castigando dedos e lábios

É, o tempo está feio
Pesado,
Plúmbeo,
Esquisito

Nem mesmo o vermelho
Do sangue,
Da guerra,
Surgiu no horizonte

A linda mulher,
Coitada,
Agora está sem dentes,
Sem seios

Do homem honesto
Não sobrou quase nada
Só os restos
Só ossos

A frágil criança inocente
Caiu no abismo
E nunca mais voltará
Ao colo quente

O jovem adolescente
Perdeu a namorada,
Os amigos,
E os parentes

Até o velho cego
Percebeu a escuridão
Chegar
Assim de repente

Seus olhos viram
E ficaram perdidos
Foi a primeira vez
Que ele sentiu medo...

E eu vejo tudo isso
Na palma de minhas mãos
Só não vejo
O chão...


Eduardo Campos Mendonça




terça-feira, 13 de maio de 2008

Linguagens Líquidas na Era da Volatilidade


Se o inconsciente coletivo
É um oceano de possibilidades,
Cada cabeça é um aquário
De pequeno ou grande tamanho,
Com ou sem vida inteligente
Até o dia em que o indivíduo
Quebra a barreira e se liberta
Para que a água siga o caminho do mar
Sendo assim, o pensamento,
- corrente inexplicável -
Flui e escorre tal como vida
Sempre a adquirir formas que se formam,
Se unem e escorrem como chuva
Em forma de linguagem
Pela metáfora da liquidez
Com sua fecundidade, adaptabilidade
E capacidade de transformAção.


Eduardo Campos Mendonça



sexta-feira, 9 de maio de 2008

ESTRADAVIDA


A vida é uma estrada
C o n t í n u a
Curso em sina
Que sempre
C o n t i n u a
Mesmoquandotermina


Eduardo Campos Mendonça

terça-feira, 6 de maio de 2008

Quando você se afasta sou mais pecador


Quando você se afasta
Sou mais pecador
Porque talvez me incline
Ao desejo

Talvez pela busca
Que tanto ensejo

Quando você se afasta
Sou mais pecador
Porque talvez sublime
A dor

Talvez porque o erro
Tenha o seu valor

E você, ero-casta,
Flor pequenina
Grande mulher
Não me afasta

É que meu ser
Serotonina
Tem sede
De alma vasta


Eduardo Campos Mendonça

terça-feira, 29 de abril de 2008

Pássaro Noturno


Eu sou pássaro noturno
Solitário canto da madrugada
Encorajo os medrosos para a vida
Desperto os vivos de tal morte

Às vezes, me passo por corvo
Remexo tuas dores, te aviso das desgraças
Abro-te os olhos já cegos pelo ouro
E te ofereço melodias e belos amores

Não procures nem tentes me entender
Sou o inexplicável que tu não podes ver
Meu alimento é a vida
E à minha vista nada escapa

Não tentes me impedir
Me seguir será em vão
Lembra-te: sou pássaro noturno
Não podes me avistar aí do chão

Passado, presente e futuro
Para mim nada são
Sou o pássaro noturno
A bicar a tua mão

Não temas, não é preciso fechar a janela,
Pois não chego sem avisar
Se a hora não for tua
Não há com o quê se preocupar

Se for, entrega-te ao teu destino
Como o faço ao voar
Respeita-me: sou pássaro noturno
Nem menino pode me pegar

Por tempos, sou coruja e saio à caça
De injustiças entre os seres de todas as raças
Sou ave amiga dos heróis e dos poetas,
E de todas as almas inquietas

Não proclamo o bem,
Nem incentivo o mal
Sou o pássaro noturno
Cujo canto é um sinal

Não proclamo morte
Não anuncio alvorada
Sou o silêncio que ecoa pela mata
Definindo teu destino, tua sorte

Lembra-te: sou pássaro noturno,
Espírito da madrugada
O fiel mensageiro da natureza
Que acompanha tua jornada


Eduardo Campos Mendonça

segunda-feira, 28 de abril de 2008

ORAÇÃO DOS ROQUEIROS


Rock Nosso que estais nas veias
Santificados sejam vossos riffs
Venham a nós as suas bandas e blues

E seja feita a nossa vontade
Assim nas rádios como nos bares

O solo nosso de cada dia nos dai hoje
Perdoai nossas duplas sertanejas
Assim como nós perdoamos
Os pagodeiros que nos têm ofendido
Não nos deixeis cair em dance music
E livrai-nos do axé
Amém

Primavera


É primavera!
Cantam as flores
Para mim

Repara:
A vida está mais bela
Não só no teu jardim

Quisera eu
Ver a vida
Sempre assim



Eduardo Campos Mendonça

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Jardim em Flor



A labuta do jardineiro

Não é a luta contra as pragas

Que ameaçam o seu jardim

Nem o sofrer com o formigueiro

E o não querer dar-lhe um fim

É a aquela espera ansiosa

Que não vê a hora

De rever a sua rosa

O que brota dos olhos do jardineiro

É que torna a rosa bela assim

E cada gota dessa rosa


Vem do mesmo amor-sem-fim



Eduardo Campos Mendonça

Um Maldito Cheiro de Passado


Um maldito cheiro de mofo
Em minhas narinas
Esquisito como naftalinas
Num armário

Um repugnante gosto de bile
Em minhas papilas
Impregnante como a fumaça
Do narguile

Esse insuportável cheiro de café
Por toda a casa
Tão comum
Como calos em meu pé

Um malquisto gosto de terra batida
Em minha mão
Tão presente e impregnante
Como a solidão

Essa estranha alegria e mal-estar
Com gosto de passado
Que vem no vento
Pela janela da sala de estar

É o tempo que se foi
Que o vento traz de volta
Misturando sentimentos
Aos meus pensamentos...

Migalhas doces e amargas
Carunchadas na memória
Cenas de uma vida já ida,
Esvaída ali, naquela fotografia

O retrato permanece aqui,
Sobre a mesa
Inacabada história...
Sobremesa ácida que custo a engolir

Alguém me diga, por favor,
Quanto vale a memória?


Eduardo Campos Mendonça



Trem da Vida



Apita, lá vem o trem

Ou vai partindo

Sempre (h)aquém



Eduardo Campos Mendonça

Segurança


Segurança não existe
Como segurar a ânsia?
As idas e vindas?
Como segurar a vida?

Não se pode segurar as horas
Tampouco a infância
Como segurar a alma
E os pensamentos?

Segurança é o que existe
No breve momento de sonhar
E sonhando se chega onde
Se quer chegar

É quando seguras em minhas mãos
Abertas, desertas em busca do teu calor
É quando entendes a minha alma serena
E tornas pequena a minha dor


Eduardo Campos Mendonça

quinta-feira, 24 de abril de 2008

VIDA


Pedra, água, pó
Tarde, noite, cipó

Galho, folha, saudade
Povo, carro, cidade

Pena, pano, dó
Lágrimas e só

Esperança, desejo, vontade
Força, fé, simplicidade

Roda, tempo, menino
Passado, presente, destino

Dias, nuvens, vento
Horas, amigos, momento

Laranja, bagaço, adubo
Fim e começo, tudo...


Eduardo Campos Mendonça

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Minas Gerais


Minas das cirandas, dos currais,
Das quitandas e dos arraiais,
Minas das esquinas, das orações,
De muitas meninas e procissões

Minas das montanhas, dos bordados,
Das cabanas e alagados
Minas dos bandeirantes, dos paredões,
Dos retirantes e dos rincões

Minas das aguardentes, dos vaqueiros,
De Tiradentes e grandes violeiros
Minas das veredas, dos vales
Das igrejas e dos bares

Minas dos artistas, dos poetas
Dos turistas e de muitas festas
Minas das saracuras, das seriemas,
Das rapaduras, Minas de mil temas

Minas dos escritores, dos presidentes
De professores e gente inocente
Minas das cachoeiras, das congadas
Das corredeiras e das toadas

Minas das Marias-fumaças, dos cantos
De muitas praças e muitos encantos
Minas das fazendas, dos lobos-guará,
Dos vestidos de renda, Minas de BH

Minas hospitaleira, que gosta de beijo
Minas das benzedeiras e dos pães-de-queijo
Minas que dança catira, Minas dos canaviais
Do frango caipira e das estâncias hidrominerais

Minas do doce de leite, do tutu com torresmo,
Do quiabo com angu e do lampião aceso
Minas do artesanato, do fogão de lenha
De um povo pacato, que Deus a tenha

Minas dos arreios de couro, Minas dos amantes
Da época do ouro e dos diamantes
Minas das parteiras e das pedras preciosas
Minas da Mantiqueira e das Alterosas

Minas dos carros de boi, Minas de muitas preces
Que sempre dá oi, até pra quem não merece
Minas das histórias e dos cafezais
Minas das memórias e das Gerais

(incidental)

Oh, Minas Gerais,
Quem te conhece
Não esquece
Jamais...

Eduardo Campos Mendonça

terça-feira, 22 de abril de 2008

Aforismos


Idéias
ID em busca de um mundo ideal.



Quebra-cabeça
Catarse ou Catar-se?


Eduardo Campos Mendonça




Vaga Mundo em FrustAção


No espaço vago e raso
Procuro o vaso
De orquídeas que não plantei

No espaço turvo e fundo
Procuro o mundo
De idéias que não realizei

No espaço reto e infinito
Procuro o grito
De inconformismo que não berrei

No espaço verde e amarelo
Procuro o elo
De uma história que não sei

No espaço interno e externo
Procuro pelo eterno
De que me separei


Eduardo Campos Mendonça

Sempre Importa


O que importa
É por quê importa
E, se importa,
Por que saber
O que há
Atrás da porta?

E o que importa
Se existe alguma porta?

Na verdade, o que importa
É que não importa
O que importa
Sempre há um motivo
Que importa
Ou, que não importa,
Sempre importa para alguém

E, se importa para alguém,
Então, importa.


Eduardo Campos Mendonça