quarta-feira, 25 de junho de 2008

FLORES

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Flores cantadas,
Flores escritas
Flores sonhadas,
Flores vividas

Flores que alimentam beija-flores
Alegria
Flores de maio,
Em qualquer dia

Flores do mato,
Flores do campo
Flores exóticas
Que eu até me espanto

Flores claras,
Flores escuras
Flores frágeis,
Flores duras

Flores de madeira,
E que nascem em pau
Flores do bem,
Flores do mal

Flores pintadas na arte
E representando a vida
Flores nos cadernos
E em camisetas floridas

Flores roubadas
Flores vendidas,
Flores compradas
Pra pessoa amada

Flores nos vasos
E em belos arranjos
Flores amáveis
E de vários tamanhos

Flores vaidosas
E de cores requintadas
Flores mortas
De cores apagadas

Flores que resistem ao sol
Flores da caatinga e do litoral
Flores que nascem nas pedras
E nas terras deste país tropical

Flores que dançam ao vento
Flores que enfeitam a vida
Flores a todo o momento
E em toda despedida

Flores pra você
Flores pra mim
Baby, mesmo com tudo isso,
Mande flores pra mim...

Eduardo C. Mendonça
(inspirado no poema Semente de Marcio Freitas)

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Deusa Cíclica


Passos soltos e destemidos
Assim vai ela
Ziguezagueando imponente
Em doçura angelical

Nefertite paladina
De lábios barrocos
Sempre a seduzir mortais
Em delicado e obsceno balé

Dama ou rainha?
Deusa ou cortesã?
Quem ousará tocar-lhe
Tão alva face?

Imaculada Maria
Esquiva e intocável
Pandemônio de desejos
A sucumbir súditos

Qual de nós ousará
Segui-la?
Qual ímpio e maldito
Pagão a irá despir?

Afrodite mecenas
De língua sedenta
De almas e sonhos
Indiferente ao tempo

Absorta Salomé
A enlouquecer os homens
E roubar-lhes razão
Noite após dia

Crepúsculo de idéias
Sopro contínuo de esperança
Fauna e flora em êxtase!
Vida e é só


Eduardo C. Mendonça

Palavras Eretas


Palavras se excitam
E entrelaçam-se
Em frases e sinais
Se beijam, se apertam
Se despem de rotina,
De preconceitos
E rimas

Espremem-se e se esfregam
Ofegantes e desesperadas
Comprimidas ou estendidas
Em manto lexical

Eretas, descobrem véus
E passagens secretas
Percorrem lábios e corpos
- Intento a salivar ditos
Cujas bocas não ousam
Pronunciar

E escorrem lentamente
Num ato de amor, desamor
Puro, obsceno
Casto e perverso
Entre mãos e dedos
Língua e falo(a)

Corpo e alma
Em clímax
Eduardo C. Mendonça

terça-feira, 17 de junho de 2008

AceitAção


Aceita esse lapso, essas rugas, que pelas mãos do tempo sugam tua amorfa seiva, aceita tua nova imagem, a rubra bagagem que trazes, aceita essa falta de pressa, que falta faz na tua vida? aceita esses óculos, esse ócio pungente, essa cândida ternura que um dia fora luxúria pulsante em ósculos, aceita essa artrite, essa gastrite, a tua falta de apetite, aceita esses fios ralos, essa barba disforme, aceita essa falta de um amor flamejante, esse frio pétreo nas extremidades, esse tilindar maquiavélico das folhas secas pela estrada, aceita o pó das eras, tua memória reticente, tua tosse constante, todos os teus questionamentos vagos, tuas lutas vis, aceita tuas lágrimas perdidas, tua postura torta, teus sonhos incompletos, tuas palavras enclausuradas, aceita essa inércia, essa quietude que te persegue, e precede aquela hora em que dia não é mais dia e a noite ainda não é noite, quando o mocho pia e nada mais, nada mais tem valia, aceita tua vida como fora, aceita pois tua morte.


Eduardo. C. Mendonça

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Velha Carta Amarelecida


Hoje encontrei dentro de um livro uma velha carta amarelecida,

Rasguei-a sem procurar ao menos saber de quem seria...
Eu tenho um medo horrível a essas marés montantes do passado,
Com suas quilhas afundadas, com meus sucessivos cadáveres amarrados aos mastros e gáveas...
Ai de mim, ai de ti, ó velho mar profundo,
Eu venho sempre à tona de todos os naufrágios!

Mario Quintana

A língua lambe


A língua lambe as pétalas vermelhas da rosa pluriaberta;
a língua lavra certo oculto botão,
e vai tecendo lépidas variações de leves ritmos.
E lambe, lambilonga, lambilenta, a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa, atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos de leões na floresta, enfurecidos.

Carlos Drummond de Andrade

Embriagai-vos

Embriagai-vos. É preciso estar sempre embriagado. Eis aí tudo: é a única questão. Para não sentirdes o horrível fardo do Tempo que rompe os vossos ombros e vos inclina para o chão, é preciso embriagar-vos sem trégua. Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa maneira. Mas embriagai-vos.

E se, alguma vez, nos degraus de um palácio, sobre a grama verde de um precipício, na solidão morna do vosso quarto, vós acordardes, a embriaguez já diminuída ou desaparecida, perguntai ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que foge, a tudo que geme, a tudo que anda, a tudo que canta, a tudo que fala, perguntai que horas são; e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio, responder-vos-ão: “

É hora de embriagar-vos! Para não serdes os escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos: embriagai-vos sem cessar! De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa maneira.

Charles Baudelaire

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Poesia


A poesia é incomunicável
Não é voz dita à passagem

Espreita, espia,
Porque a poesia
Não é nada do que pensas ou dirias

Nem vida a ruminar
Dia após dia
Néctar escarlate
A morder-te sonhos
A unir rios sedentos
Mãos que acariciam
Corpos já ofegantes, dormentes
Desgastados e corroídos
À custa do tempo,
Mas que tempo?

Nem aurora, nem segredo,
Nem medo, nem desejo,
Ou ventre a contrair
E expelir vida e morte

Nem silêncio, nem moinho,
Nem sono, nem música,
Azáfama ou prazer
Nem erro, nem vício

Carne crua que sangra
E goteja cristalina
Tácita, impermeável,
Indelével, à vácuo

Bebericando rumores
Tecendo veredas
E caracóis subterrâneos
Da mente,
Que mente?

Para-peito de vitral
Abismo de cetim
Cartomante episcopal
Perfume de jasmim

Espreita, espia,
Porque a poesia
Não é sopro
Nem escada
Nem o fogo que te alumia

Botão de rosa a revelar-se
Negrume, sombra, desatino,
Buraco negro, epicentro.
Sentimento ou sabedoria

Amálgama embrionária é a poesia
A enfeitiçar homens
E decepar-lhes a razão
Como criança no colo

Oráculo a revelar-te mundos
E dimensões
À revelia de tua vontade,
Tua realidade
Mas que realidade?

É pulso que voa
Como nuvem
E brota como planta
Cai como água
Escorre e se vai

É júbilo, desapego,
Mistério, minério bruto,
Que vem não se sabe de onde
Nem por que, nem por quem

Umbigo invisível
Indivisível da fonte
Que move montanhas
E serpenteia entre lágrimas e gozos

Entre movimento e repouso
Sempre aquém,
Sempre além
Ao entendimento humano



Eduardo Campos Mendonça